quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Assim engatinha a humanidade

Tá certo... Então quer dizer que fumante aqui não entra. Bacana.
Mas se cigarro não entra, eu não saio.

Quando aprovaram esta lei anti-fumo, saí soltando rojões. Finalmente um pouco de ar puro! Adeus cabelos fedorentos de fumaça! Adeus mal estar!

Entusiasmada, comecei uma campanha "caça aos fumantes", confiante de que, mexendo no bolso da população, o cigarro se tornaria cada vez mais raro e de que, uma vez na legislação, pensariam duas vezes antes de acender um. Estava convencida de que meu direito de respirar um ar mais puro seria finalmente atendido, se não por bem, por mal. Feliz pela minha saúde e a de tantas outras pessoas, enfim assegurada. Doce desilusão a minha... 

Mal previa a minha deficiente lógica, logicamente: se é proibido fumar em lugares fechados, tabagistas não podem fumar em outro lugar senão nas ruas... Foi quando eu percebi, estarrecida, o crescimento infame da numerosa população fumante. Nunca vi tanto fumante, nunca senti o ar tão pesado. De repente o simples ato de andar tornou-se penoso, limitado ao desvio apressado de todos os milhares de cigarros acesos nas calçadas. O feitiço virou contra o feiticeiro. O tiro saiu pela culatra. De andarilha, torne-me refugiada.

Assim como resolve-se a violência prendendo, assim como se resolve a pobreza marginalizando, assim como se resolve as "ofensas" censurando e assim como se resolve a doença e o abandono matando, me deparo com outra resolução mascarada e não me surpreendo. É a arte de resolver por cima e de jogar os problemas para baixo do tapete. É a arte incrível de andar para trás olhando para frente, cada vez mais distante do vislumbre daquilo que seria ideal. A arte de engatinhar sem sair do lugar...

Me descubro?
Ainda não me descobri.
Te perturbo?
Vá procurar outra de mim.
Não procuro?
Se procurasse eu não estava aqui.
Me seguro?
Só me jogo depois de ti...

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O preço da carne

por Dagomir Marquezi

Chineses costumam encarar qualquer coisa que se mova como um alimento à sua disposição. Eles consideram o animal um mecanismo, um objeto, cuja dor e sofrimento não nos dizem respeito. Ironicamente, os piores exemplos de maus tratos acontecem na mesma Ásia onde nasceu o budismo – a mais benevolente e avançada religião do mundo no trato com os animais.

Nos tristemente famosos “mercados de vida selvagem” asiáticos há de tudo. Mamíferos, répteis, insetos, batráquios, tudo vai para gaiolas apertadas e lotadas sem água nem comida. Qualquer foto desses mercados é um permanente festival de sangue, urina e fezes. Há mais do que cheiro ruim no ar: existe medo. E vírus de diferentes espécies novas se combinando uns com os outros.

As imagens mais chocantes registram o que esses mercados destinam aos cães. Os mesmos cães que aqui viram membros da família, ajudam cegos ou orientam equipes de salvamento. Lá, cachorros são comida. E não se deixe enganar: esses mercados chineses não existem para “matar a fome do povo”. Chineses pobres comem frango e peixe. Os cães são “iguarias” caras, assim como gatos, escorpiões, cobras, enguias etc.

Eu tive a chance de ver fotos e vídeos desses mercados. Os cozinheiros acreditam que a adrenalina no sangue dos cães amacia a carne. Quanto mais sofrimento, mais apetitoso o prato. Em nome dessa carne macia, a palavra de ordem é torturar os cães até a morte. Eu já vi a foto de um pastor alemão sendo enforcado na viga de uma cozinha, sendo puxado pelos pés. Eu já testemunhei um vira-latas com as patas dianteiras amarradas para trás do corpo e desisti de imaginar o tamanho de sua dor. Assisti ao vídeo de um cão magrinho que foi mergulhado em água fervendo, retirado, teve sua pele inteirinha arrancada e ainda olhava a câmera, tremendo junto à panela onde foi cozido em vida.

A pergunta básica é: nós, humanos, temos direito a isso? Quem nos deu esse direito? Temos o direito de jogar uma lagosta viva na água fervente? Temos o direito de comer um peixe fatiado ainda vivo no seu prato num restaurante japonês? Temos o direito de prender bezerros em lugares escuros, imobilizados por toda sua curta vida, por um vitelo? Nosso paladar é tão importante assim na ordem das coisas? Um sabor diferente em nossas bocas justifica tudo?

A questão ultrapassa a esfera da ética e da civilidade. A Sars nasce no chão imundo dos mercados chineses. A doença da vaca louca – permanente ameaça na nossa pátria do churrasco – surgiu quando obrigamos o gado a se canibalizar. O terrível ebola se espalha com cada homem africano que devora nossos primos biológicos, gorilas e chimpanzés. Vírus mutantes saltam do sangue de aves para o dos homens sem defesas naturais. Segundo a revista inglesa The Economist, nada menos que 60% das doenças humanas surgidas nos últimos 20 anos têm origem em outras espécies animais. Tony McMichael, pesquisador da Universidade Nacional de Austrália, é bastante claro: “Vivemos num mundo de micróbios. Precisamos ser um pouco mais espertos no jeito como manejamos o mundo ao nosso redor.”

Mercados chineses e churrascos africanos parecem fenômenos distantes. Mas o brasileiro continua dependendo demais de alimentação animal. Temos uma churrascaria por quarteirão, e numa cidade de 12 milhões de habitantes, como São Paulo, contam-se nos dedos os restaurantes vegetarianos. E ainda temos um lobby querendo ampliar a oferta de animais nas geladeiras: avestruzes, capivaras, jacarés, tudo criado em cativeiro com carimbo do Ibama. A cada nova espécie consumida pelo homem, mais uma mistura de vírus – algumas combinações inofensivas, outras não.

Para tentar controlar essas doenças, cometemos mais brutalidade: enterramos milhões de aves vivas, afogamos gatos selvagens em piscinas de desinfetante. Provocamos o desastre e massacramos as vítimas. Temos um caminho inteligente: racionalizar, humanizar e diminuir cada vez mais o consumo de animais. Ou podemos continuar o banho de sangue. Aí, todos nós pagaremos o preço.

Quando uma borboleta bate as asas na Europa, pode iniciar um furacão no oceano Pacífico. A Sars começou em mercados chineses e chegou ao Canadá. A gripe aviária já se espalhou por diversos países asiáticos e ameaça lugares distantes como o Paquistão e a Itália. Num mundo de vôos diretos, os gritos desesperados de um cachorro chinês podem chegar um dia ao Brasil por meio de alguma nova e tenebrosa sigla.

domingo, 2 de agosto de 2009

Seguirei sozinha


Mesmo fraca ou oprimida


Te laceio sem dor


Aonde quer que for


Quero um


Me jogo da panela


Me sinto a vontade


Aonde está você


Me anulo me pontuo me perdi me pari


Me queixei desandei de pernas pro ar


Quero paz quero é mais


Mais prazer do meu viver


Estou cansada atordoada e não sei o que dizer


Não sei o que fazer


Não me resta mais nada


Além de mim mesma


Eu quero quisera eu querer


Me confundo nas palavras que eu mesma escrevi


Me perco no espaço aonde eu mesma empaquei


Emperrei


Emperrei minha janela


Mão tenho mais para onde olhar


Perdi meu norte


O meu forte era você


Me olhar


Me jogar nesta vida


Me jogar


Me jogar nesta vida


Me aturar


Quero te levar


Comigo


Para não ter que me encarar


O quão insuportável é a solidão


Será que tudo foi em vão?


Cadê você no meu quarto


Por quem eu choro


Mas não lamento?


Por quem


Vícios desvinculados invertebrados incalculados


Aonde foi que eu cresci


Desmascarei


Imaculei


Me arranquei de mim mesma para não sentir


Me encorajei


A seguir em frente


Sem ter nada para seguir


Sem ter nada para procurar


Quero meu conforto de todos os dias mais uma vez


Quero?


Não quero.


Não vá tão para longe


Aonde eu não possa te olhar


Mas quem?


Quem eu tenho que olhar?


Mas quem?


Eu não sei.


Eu não sei do que eu sinto falta


Eu não sei.


Eu não sei o que eu quero e se o que eu quero eu espero até o ano que vem ou o próximo


Desespero.


Me separo.


Me tolero.


Desespero.


Tenho que cuidar de mim mesma, mesmo?


Queriam mais é cuidar dos outros.


Não!


Tenho que cuidar de mim mesma.


O que eu sinto pelo outros não interessa mais.


Se os outros ficam ou vão não importa.


O que importa é que eu sempre fui ou fico.


Sempre.


E se eu vou para frente ou para trás eu decido.

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