sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Das Incoerências da Vida


Preciso de equipamentos para trabalhar e trabalhar para ter equipamentos. Nos sites de vagas de emprego, exigem que eu, desempregada e sem dinheiro, pague para poder ter acesso às empresas e não que às empresas paguem para ter acesso a mim. Quando me entrevistam, perguntam logo se já tenho empresa aberta, porque não querem arcar com chatíssimos direitos trabalhistas que me ajudariam a fazer o serviço, tais como vale transporte, vale alimentação, férias pagas, horas fixas etc. Não. Querem que eu pague para trabalhar com um sorriso no rosto.
Se eu estivesse trabalhando, estariam me sobrecarregando com a função de 10 pessoas e pagando por uma só. Tem que ter experiência para trabalhar e trabalhar para ter experiência. Sou muito qualificada para determinadas vagas; sou pouco qualificada para outras; sou muito jovem para certas coisas; sou muito velha para outras. Enquanto isso o tempo passa.
Falam para eu abrir o meu próprio negócio, mas preciso de dinheiro para empreender e empreender para ter dinheiro. Quero ter uma conta no banco para colocar o dinheiro, mas precisa de dinheiro para manter uma conta no banco. E com esta idade, minha mãe já tinha a primeira filha, casa, carro e metade da carteira de trabalho assinada.
Numa dinâmica em grupo, não pode falar muito de si, para não parecer arrogante, mas também não pode ficar sem falar, senão parece uma ninguém. Não pode sair organizando, porque querem pau mandado, mas não pode só ficar obedecendo, porque querem gente com iniciativa. E cuidado para não dar uma de engraçadona, porque não é profissional, mas esta cara séria é tão antipática, né?
Quero estudar para ter emprego, mas preciso de emprego para estudar. Queria fazer intercâmbio, mas se fizer é capaz de perder o bonde e quando voltar não ter mais vaga no mercado. Resolvo focar nos projetos pessoais, mas me sinto culpada por não estar mandando currículos e quando mando currículos, lembro dos projetos parados. Enquanto isso tem criança de 12 anos ganhando Nobel da Paz e descobrindo a cura do câncer.
Tantas realidades inconciliáveis numa lógica incoerente que enxerga as pessoas com data de validade e com uma rígida agenda pré-determinada, ao mesmo tempo em que romantiza os aventureiros. Muitas vezes parece que o tempo já passou, mas que o momento nunca chega. Parece que a vida não acontece, enquanto tudo muda ao redor. Tudo menos eu. Eu não aconteço, eu não sei quem sou, não sei o que faço, não sei o que quero, não sei o que sinto. Já nem opino mais. É inútil. Nada parece se transformar, nada realmente necessário. Estamos andando em círculos e não chegamos a lugar algum. Qual é o meu valor, qual é o valor do outro? Para que tudo isso?

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