terça-feira, 20 de setembro de 2011

De passagem




O sinal mais evidente de que uma casa se tornou apenas um espaço transitório é a quantidade de louça acumulada na pia. Casa é para jantar, dormir e tomar banho. Porque são todos tão ocupados!

Se um dos residentes permanece no lar por mais de duas horas - acordado - esta pessoa é então encarregada dessa tarefa enfadonha, porque não tem mais o que fazer da vida! Ficar em casa virou absurdo! Vagabundagem! 
E esta pessoa não deve se importar em sacrificar uma hora do seu dia para lavar aquela pilha gigantesca de pratos, copos, talheres, panelas, travessas que poderiam ter sido lavados imediatamente após o uso por cada um dos turistas daquela casa. Ao invés de, simplesmente, atirarem em cima da pia e sair correndo para trabalhar, ou estudar, ou ficar mais dez minutos no Facebook. Desses dez minutos, em três poderiam ter lavado seus utensílios com muita tranquilidade.

Então por que procrastinar esta simples tarefa? E com a desculpa esfarrapada de que está "atrasado correndo para o trabalho"? Nas entrelinhas, eu leio: "meus três minutos são mais importantes do que seus sessenta minutos. Você, vagabundo que consegue ficar em casa, pode gastar seu tempo com minha louça suja atirada na pia."

Por famílias mais diplomáticas!

(e por máquinas lava-louças)

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Arte



"E arte, imagino, não é inocência, é tornar-se inocente. Talvez seja por isso que as exposições de desenhos de crianças, por mais belas, não são propriamente exposições de arte. E é por isso que se as crianças pintam como Picasso; talvez seja mais justo louvar Picasso que as crianças. A criança é inocente, Picasso tornou-se inocente." 
(Clarice Lispector - texto "Um ser livre") 
 

Caminhos não vividos

‎"O diabo desta vida é que entre cem caminhos temos que escolher apenas um, e viver com a nostalgia dos outros noventa e nove." (Fernando Sabino)

Hoje, pois, estou com nostalgia do que não irei viver, porque escolher é também descartar. E eu sofro pensando nessas vidas abandonadas, permaneço inconstante pulando de uma para outra rapidamente, tentando calcular quanto tempo poderei me dedicar a uma coisa ou outra. Me divido em mais Paulas do que até mesmo eu seria capaz de suportar. Inconciliáveis, porque não disponho de 40 horas diárias.

Tudo é tão essencial. Mas qual afazer para mim seria intolerável viver sem?

No fundo já escolhi.

sábado, 17 de setembro de 2011

Pessoas impossíveis


Existem pessoas impossíveis, sobre as quais já desisti de dar palpite. 
Elas são.
Somente.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Desencorajar é para os fracos


Uma amiga uma vez me disse: "se você seguir o conselho de outra pessoa, o máximo que você irá conseguir é chegar exatamente aonde esta pessoa chegou." Depois disso entendi que não posso jamais desencorajar ninguém a fazer o que ama, porque as pessoas sempre podem surpreender a si mesmas e aos outros. Nada é impossível, apenas trabalhoso.


segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Sem Pressa





É muito comum eu ser a última a finalizar as refeições. Comida fria? Nunca me incomodou. Mesa vazia? Acostumei. Até mesmo aprendi a mastigar, engolir e também beber enquanto caminho. Tudo para não atrasar meus acompanhantes. Pedir comida para viagem, então, nem se fala... É de praxe.

Em compensação, minha velocidade para comer é inversamente proporcional à minha velocidade para andar. Não consigo caminhar devagar, ando como acostumei a andar nas calçadas da região central de São Paulo: cabeça baixa, passos largos e rápidos, sempre antecedendo esbarrões e desviando ligeira das pessoas, sem encostar um milímetro sequer das minhas roupas nas roupas dos outros. É hábito. Simplesmente tenho pressa para chegar aos lugares, pressa para alcançar o ônibus, pressa para chegar a tempo, para sair do tumulto, da poluição. E, pudera, não tenho paisagem interessante para olhar! 

Eu sou aquela que em grupo guarda a dianteira e não aprendeu a conversar enquanto coloca um pé na frente do outro. Só desacelero, a muito custo, para ouvir e responder, brevemente, um comentário ou outro. E quando finalmente chego ao destino, aí sou toda ouvidos e coração, acelerado, ainda, da corrida.

Talvez porque quando pequena aprendi duas coisas com o meu pai: a apreciar a alimentação e a acompanhar seus passos largos, ansiosos para alçar vôo e alcançar sonhos.

sábado, 3 de setembro de 2011

O medo




Ando com muito medo, convencida, finalmente, da minha fragilidade. E este medo é um medo que de tão grande me polui por dentro e me preenche de um heroísmo derrotado. Tenho medo de me ferir, de todas as formas, tenho medo de perder tempo, de perder vida, de perder gente. De me perder de vista. Medo de ser arrastada pela severidade da vida, de não me desprender da inércia que arrasta nossa gente nesta correnteza amarga, de sorrisos censurados.


Medo de tudo, o que não me torna melhor, mas mais consciente. Estou fatalmente consciente. Engasgada de realidade e livre sem querer. Livre? Livre como um pássaro rejeitado de asas quebradas. Necessidade chorada de orfã. 

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